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STJ reconhece inventário extrajudicial com testamento

Para o Direito Civil brasileiro, o falecimento de uma pessoa natural implica necessariamente na abertura do procedimento sucessório, a partir do surgimento da figura do espólio; ou seja, esse é o marco jurídico que institui a transmissão patrimonial dos bens de domínio deixados pelo falecido àqueles destinados.

Nesse sentido, o Código Civil disciplina que o espólio pode ser partilhado tão somente de duas formas: (i) sucessão legítima; ou (ii) sucessão testamentária.

A sucessão testamentária respeita a vontade expressa em vida pelo falecido, o qual, por meio de testamento, registra em vida a maneira como quer dispor de seus bens após a própria morte. Já, a sucessão legítima ocorre exatamente quando não se verifica a existência de testamento deixado pelo finado, de modo que a transmissão dos bens se dará, conforme apontado por Lei, em respeito à ordem de herdeiros legítimos. Neste sentido, eis o que dispõe o art. 1.829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais

 Na mesma toada, a efetiva partilha dos bens é regrada por meio de um procedimento, qual seja, o inventário, pode esse ser feito tanto na via judicial, processualmente, quanto na via extrajudicial, em um cartório de notas.

No geral, o inventário extrajudicial é um procedimento mais célere, vez que é realizado diretamente no cartório, sem participação do Poder Judiciário, por meio simples escritura pública lavrada pelo Tabelião. Desta feita, verifica-se que o Código de Processo Civil, em seu art. 610, define as regras para a adoção dessa modalidade de inventário, quais sejam: (i) a ausência de testamento; e (ii) a necessidade de capacidade e concordância de todos os herdeiros.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos autos do Recurso Especial nº 1.951.456/RS [1], interposto por viúva meeira contra Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, decidiu que mesmo havendo testamento, o inventário extrajudicial pode ser legitimamente adotado pelos herdeiros, desde que, todos sejam capazes e concordes.

O Recurso Especial nº 1.951.456/RS julgado foi originado em caso onde o inventariado lavrou testamento por escritura pública, no qual as beneficiárias são tão somente a viúva meeira e as duas filhas-herdeiras legítimas, plenamente capazes e concordes quanto à partilha dos bens deixados.

Assim, no ato da realização do inventário extrajudicial, diante da percepção do testamento deixado, o Cartório de Notas notificou as herdeiras acerca da necessidade de homologação judicial autorizativa.

Desse modo, foi ajuizada a ação originária, na qual o Juízo de primeira instância e o TJRS negaram o pedido de partilha extrajudicial, vez que aplicaram a literalidade do art. 610, caput, do Código de Processo Civil. Contudo, a Terceira Turma do STJ verificou uma antinomia entre o caput e o §1º do artigo em comento. Eis a redação do referido dispositivo legal:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

§1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

 Nessa linha, a Relatora Ministra Nancy Andrighi, fundamentou que o legislador implicou presunção de litigiosidade entre os herdeiros no ato da abertura do testamento, fator que por óbvio ensejaria na judicialização do inventário.

Todavia, para a Ministra Relatora, a capacidade para transigir, somada com a inexistência de conflito entre os herdeiros, bem como à prevalência do princípio da autonomia da vontade, superam a legislação vigente. Ainda, aferiu o movimento judicial contemporâneo que primazia a desjudicialização dos conflitos, no sentido de que a via judicial deve ser reservada somente aos casos fáticos litigiosos, especificamente no tange, a possibilidade de influência negativa da resolução do inventário.

Portanto, diante da ausência de litígio nos autos, de igual modo à precedência dos princípios vigentes na jurisprudência pátria, exposto, foi dado provimento ao Recurso Especial interposto, determinando o prosseguimento do inventário extrajudicial mesmo com a existência de testamento.

Gustavo Franco De Azevedo

 

Fontes:

[1] CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL EM QUE HÁ TESTAMENTO. ART. 610, CAPUT E § 1º, DO CPC/15. INTERPRETAÇÃO LITERAL QUE LEVARIA À CONCLUSÃO DE QUE, HAVENDO TESTAMENTO, JAMAIS SERIA ADMISSÍVEL A REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. INTERPRETAÇÕES TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA QUE SE REVELAM MAIS ADEQUADAS. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI Nº 11.441/2007 QUE FIXAVA, COMO PREMISSA, A LITIGIOSIDADE SOBRE O TESTAMENTO COMO ELEMENTO INVIABILIZADOR DA PARTILHA EXTRAJUDICIAL. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA INEXISTENTE QUANDO TODOS OS HERDEIROS SÃO CAPAZES E CONCORDES. CAPACIDADE PARA TRANSIGIR E INEXISTÊNCIA DE CONFLITO QUE INFIRMAM A PREMISSA ESTABELECIDA PELO LEGISLADOR. LEGISLAÇÕES ATUAIS QUE, ADEMAIS, PRIVILEGIAM A AUTONOMIA DA VONTADE, A DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E OS MEIOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, AINDA QUE EXISTENTE TESTAMENTO, QUE SE EXTRAI TAMBÉM DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL.

Disponível em:

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2206628&num_registro=202102372993&data=20220825&formato=PDF. Acesso em 14/03/2023.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/22112022-Existencia-de-testamento-nao-impede-inventario-extrajudicial-se-os-herdeiros-sao-capazes-e-concordes.aspx

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