Pela primazia do Juízo Falimentar na concessão da assistência judiciária gratuita às Massas Falidas
Imagine-se a seguinte situação: Uma sociedade empresária, diante de sua quebra, tem contra si inúmeras litigâncias processuais. Nestas, seja ocupante do polo ativo ou passivo, discutem-se créditos e/ou débitos que não integram [ainda] o procedimento falimentar. Entenda-se, assim, que neste inúmero de litígios, em diversas comarcas e juízos, esta Massa Falida, inevitavelmente, visando não ter agravado seu caráter já deficitário, irá ao encalço da Assistência Judiciária Gratuita. Todavia, em diversas oportunidades, terá diante de si respostas diferentes e divergentes sobre um mesmo fato, qual seja, sua insuficiência material e financeira. Assim sendo, paira sobre todos o mesmo questionamento: quais dos remédios dados estão corretos?
Obviamente, a partir dessa hipótese, há de se estabelecer alguns pressupostos, de forma a desenvolver, conjuntamente ao leitor, um raciocínio uníssono. Pois bem, por óbvio, os casos hipotéticos [bem reais] dizem respeito a ações de valores semelhantes, de forma que não ensejariam a respostas jurisdicionais divergentes. No mesmo sentido, a Massa Falida preza-se no seu dever de demonstrar a impossibilidade de arcar com os encargos processuais [1], vez que o entendimento jurisprudencial instituído afasta de presunção de hipossuficiência pelas Massas Falidas [2]. Finalmente, os fatos e provas indicam, igualmente, tratando-se do quesito mais basilar, a Massa Falida hipotética ser deficitária, havendo clara discrepância entre os ativos e passivos levantados no procedimento falimentar. Ainda assim, por diversos momentos, ela se se vê privada em uns e satisfeita em outros, quanto ao seu direito à assistência. Poder-se-ia, a partir deste ponto, utilizar-se, irrefletidamente, do livre convencimento motivado do juiz enquanto resposta às divergências. Sendo assim, este debate, por aqui, se daria por encerrado… “próximo tópico”. Todavia, no mesmo horizonte pode-se vislumbrar a possibilidade de uniformização das decisões e respostas jurisdicionais.
Veja-se. Todo ordenamento processual, tem como base princípios derivados da Constituição, de forma que, a manifestação destes se dá em diversas formas e momentos. O que se discute, na presente hipótese, portanto, é observância aos princípios e subprincípios da boa-fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica. Concreta e usualmente estes princípios se manifestam, por exemplo, pelo art. 926 do CPC [3] . Não se trata, contudo, da única forma de realizar a referida observância, de forma que, em âmbitos gerais, a evocação destes princípios não carece, necessariamente, de um remédio jurídico ou dispositivo legal infraconstitucional para ser observado. O que se anseia, neste interim, assim, é demonstrar que as diversas respostas dos diversos juízos sobre uma mesma questão (assistência judiciária gratuita à Massa Falida deficitária) contrariam preceitos constitucionais e processuais.
O que se defronta, materialmente, é frustração de expectativas pela descontinuidade da vigência ou dos efeitos de um acórdão. Entenda-se. Dois sujeitos, que estabelecem uma relação jurídica, a um não é lícito, frente ao outro, agir de maneira que contrarie seus prévios comportamentos, sem que isso gere uma surpresa. A isso, no direito privado, faz-se a vedação ao venire contra factum proprium. De forma similar, o indivíduo que busca uma resposta do Estado à determinado litígio, não pode ser surpreendido com decisão que contrarie as precedentes. Estaria, neste sentido, diante da quebra da boa-fé e da confiança previamente estabelecida. Seja lá qual for a resposta dada pelo Estado (concedendo ou negando a desejada gratuidade), passando a satisfazer ou afligir aquele indivíduo, não há manutenção da coerência intrínseca a um sistema legal. Indiscutível, portanto, que a proteção da confiança “…é um instrumento de proteção de direitos individuais em face do Estado ou de quem exerce poder” [4]. Conforme Ingo Wolfgang Sarlet [5]:
“… O princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito (além da sua íntima conexão com a própria segurança jurídica) impõe ao poder público – inclusive (mas não exclusivamente) como exigência da boa-fé nas relações com os particulares – o respeito pela confiança depositada pelos indivíduos em relação a uma certa estabilidade e continuidade da ordem jurídica como um todo e das relações jurídicas especificamente consideradas…”
Portanto, perseguido este meio, de manutenção da confiança e da segurança jurídica, a decifração ao presente impasse encontra-se sob duas hipóteses. A primeira. Que sobre as decisões interlocutórias quanto ao pedido de Assistência Judiciária Gratuita, interponha-se recurso de Agravo de Instrumento, de forma a ver, pelo efeito devolutivo, ser pacificada a questão pelos Tribunais competentes. Apesar de se não haver qualquer impedimento a esta medida, não se vê, a partir daí, o atendimento à duração razoável do processo, garantido não só constitucional [6] e processualmente [7], como também claramente reiterado pela Lei de Falências (11.101/05) [8].
Finalmente, assim, o que se vislumbra é que a desejada decisão de concessão à gratuidade de justiça à Massa Falida deficitária, seja, preferencialmente, âmbito de decisão dos Juízos Falimentares. Assim o faz, primeiramente, pelas razões até aqui expostas, buscando afastar a quebra da confiança e da uniformidade no sistema jurídico. Doutro modo, entende-se que somente ou especialmente o juízo falimentar, assistido pela Administração Judicial, detém a experiência e mestria das situações econômicas e financeiras das Massas Falidas. São estes que, cotidianamente, acompanham e guiam as então sociedades empresárias no procedimento, tendo acesso a todos os balanços patrimoniais, habilitações de créditos, débitos e ativos das Falidas. Tal medida, não só traria maior certeza e liquidez à suficiência ou não de recursos para custeio das despesas processuais, como também, celeridade a todos os demais processos em que a Massa Falida litigue. Isso posto, trata-se de prática e investida deste Escritório, dedicando-se enquanto Administrador Judicial das referidas Massas, solicitar a devida análise no próprio procedimento falimentar, intentando expedição de Certidão de Hipossuficiência confeccionada pelos juízos competentes, a fim de serem apresentas, por fim, nos demais processos.
Rafael de O. W. Fagundes
REFERÊNCIAS
[1] Súmula 481, STJ: Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.
[2] REsp 1648861/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 10/04/2017
[3] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Tal regra visa a uniformização da jurisprudência da 2º instância, que além de conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados, busca garantir ainda maior celeridade da solução dos litígios.
[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 19. ed., Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017. V, p. 156.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=54. Acesso em 16 de janeiro de 2021.
[6] Art. 5º (…) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[7] Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
[8] Art. 75. (…) § 1º O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual, sem prejuízo do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015
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