A Lei 14.112/20 inova no financiamento às empresas em Recuperação Judicial
É de conhecimento comum a importância do acesso ao crédito para a economia de um país, tanto que a conformação de políticas públicas voltadas à concessão de crédito é responsável por pautar a maior ou menor popularidade de um governo. Da mesma maneira, o acesso ao crédito é ponto central para que o soerguimento de uma empresa em crise seja viabilizado.
À vista disso, o legislador preocupou-se em fortalecer o sistema de financiamento às empresas em Recuperação Judicial, estabelecendo, a partir da reforma promovida pela Lei 14.112/2020, uma seção exclusiva à regulação deste instituto, também chamado de DIP Financing (debtor-in-possession).
Em apertada síntese, a nova Seção IV–A da Lei estabelece um procedimento mais estável e seguro à celebração de contratos de financiamento pela empresa em recuperação, prevendo:
- A necessidade de autorização judicial ou previsão no Plano de Recuperação Judicial, com ampla publicidade das condições do contrato a toda coletividade de credores, o que implica na necessidade de que seja feita uma proposta detalhada de financiamento com descrição da estrutura financeira, com taxas, prazos e eventuais condições especiais, bem como das garantias e dos benefícios do financiamento;
- A necessidade de fiscalização das transações pelo Administrador Judicial, nos moldes do art. 22 da LFR;
- A impossibilidade desconstituir, em grau de recurso da decisão que autorizou a contratação do financiamento, a sua natureza extraconcursal, assim como as garantias outorgadas ao credor de boa-fé;
- A rescisão do contrato de financiamento, em caso de convolação da RJ em falência antes da liberação integral dos valores financiados, respeitando as liberações parciais e as garantias constituídas;
- A possibilidade de qualquer pessoa garantir o financiamento DIP, inclusive o próprio devedor, mediante a alienação ou oneração de bens.
Destaque-se que a possibilidade de habilitação legal de qualquer pessoa para operar o financiamento DIP, conforme permitido pelo art. 69-E da Lei 11.101/05, favorece a criação de novas fontes de captação de recursos, que, embora ainda não dimensionáveis, podem contribuir sobremaneira para a reestruturação da empresa em recuperação.
Além disso, ressalte-se as inserções promovidas pelos artigos 66-A e 69-A da Lei 11.101/05, responsáveis pelo reforço da segurança jurídica dos contratos de financiamento firmados pela Recuperanda, os quais não poderão ter suas garantias comprometidas após a consumação do negócio jurídico com o recebimento, pelo financiador de boa-fé, dos recursos correspondentes pelo devedor.
Destaque-se:
Art. 66-A. A alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou a financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor.
Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.
Importante registrar que, conforme exposto, tais dispositivos exigem autorização judicial ou previsão no Plano de Recuperação Judicial e ampla publicidade, tanto para o financiamento concedido (valor, prazo, taxa de juros), como para a garantia a ele vinculada.
Outrossim, há que se frisar que, ao definir a “consumação do negócio” e o “recebimento dos recursos” como fatos impeditivos da anulação ou da ineficácia, a norma contida no art. 66-A dispensa, para esse fim, o requisito do registro do contrato como modo de transmissão da propriedade ou de constituição de direitos reais de garantia, estipulando como ato caracterizador do aperfeiçoamento do negócio jurídico o “recebimento dos recursos”, cuja publicidade do registro será realizada a partir da publicidade do próprio procedimento recuperacional.
Tais alterações legislativas possibilitam ao credor uma maior expectativa de que em caso de inadimplemento possa exercer seu poder jurídico sobre as garantias, aumentando sobremaneira as chances de recuperação do crédito, seja no curso da Recuperação Judicial, seja no caso de convolação de recuperação em falência,
Ademais, no caso de convolação da Recuperação Judicial em falência, antes da liberação dos valores correspondentes ao financiamento DIP, haverá automática extinção do contrato, sendo preservadas a validade e a eficácia das garantias, além da preferência especial, até o limite dos valores entregues à devedora antes da data da sentença de convolação.
As alterações em questão, ao atribuir maior segurança jurídica ao financiamento DIP, favorecem, por consequência, o acesso ao crédito pelas Recuperandas, podendo impulsionar a efetividade do sistema de Recuperação Judicial no país.
Ana Elisa Cordeiro
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