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A figura do stalking horse na Recuperação Judicial

No Brasil, quando se trata de Recuperações Judiciais mais robustas, as transações de venda, por envolver valores vultosos e características mais complexas, demandam análises ainda mais aprofundadas. Nestes casos, tem-se notado, atualmente, a utilização da figura denominada Stalking Horse. Mas afinal, o que é o Stalking Horse?

Inicialmente, destaca-se que a venda de ativos na Recuperação Judicial, seja sob a forma de unidade produtiva isolada (art. 60 da Lei 11.101/2005), seja pela venda direta (art. 66 da Lei 11.101/2005), constitui a forma mais utilizada para o soerguimento da empresa em crise, especialmente pelo fato que, desde a vigência da Lei 11.101/2005, ficou permitida a alienação de bens livre de qualquer ônus.

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo-único.  O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.     

 Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.  

(…)

§3º. Desde que a alienação seja realizada com observância do disposto no § 1º do art. 141 e no art. 142 desta Lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. 

 Veja-se que a regra descrita no art. 60, parágrafo único, e no art. 66, §3º, da Lei 11.101/2005, trouxe para o cenário jurídico a expressa previsão de ausência de sucessão empresarial pelo adquirente das obrigações do devedor adquirido, o que constitui uma exceção à regra geral imposta no art. 1.146 do Código Civil, nos arts. 227, 229 e 233 da Lei de Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976) e no art. 448-A da CLT:

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

 Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.

(…)

Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

§1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

(…)

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

 Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.  

Com isso, por meio da Lei 11.101/2005, percebe-se maior segurança ao investidor, vez que as referidas normas legais afastam o risco de responsabilização do arrematante e/ou adquirente por obrigações e passivos preexistentes em relação ao ativo adquirido do devedor em Recuperação Judicial.

Levando em consideração experiências internacionais, nota-se a possibilidade de credores relevantes abordarem potenciais investidores antes e/ou ao longo do procedimento recuperatório para previamente negociar compras do ativo, assim evitando leilões desertos e garantindo maior segurança ao recebimento dos créditos pelos credores.

Assim, essa negociação prévia permite ao comprador um período de exclusividade para que este faça uma proposta vinculante que será considerada o lance inicial para a venda dos ativos. Tal prática consiste no uso da figura do Stalking Horse para estimular o processo de licitação e atrair outros investidores.

Para ilustrar como essas operações têm se dado na prática, destaca-se o processo do Grupo OI. Nesse caso, o Grupo OI ajuizou sua Recuperação Judicial em junho de 2016, tendo seu plano aprovado em dezembro de 2018. Este primeiro plano (“Plano Original”) já previa a possibilidade de alienação de ativos via UPI (Unidades Produtivas Isoladas), mas não especificava quais seriam as UPIs, os ativos englobados, modalidades de alienação e demais detalhes.

Em junho de 2020, o Grupo OI apresentou Aditivo ao Plano Original, que previa diversas medidas de equacionamento de dívida e reestruturação, incluindo a constituição de 4 UPIs, as quais foram constituídas por ativos e direitos associados: i) à operação de telefonia e dados no mercado móvel (“UPI Ativos Móveis”); ii) à infraestrutura passiva (“UPI Data Center” e “UPI Torres”); e iii) a operações de rede de telecomunicações (“UPI InfraCo”).

Em paralelo, o Grupo OI contratou o Bank of America Merril Lynch (“BofA”) para conduzir um processo de consulta de mercado visando a identificar e avaliar oportunidades de venda de seus ativos móveis. Em decorrência deste processo de market sounding, o Grupo OI recebeu em março de 2020 propostas não vinculantes (non-binding offer – “NBO”) de interessados na aquisição da UPI Ativos Móveis, incluindo uma NBO ofertada em conjunto pela Telefônica Brasil S/A. (“Telefônica”) e TIM S/A (“TIM”).

Em seguida, em julho de 2020, o Grupo OI recebeu propostas vinculantes (“BO”) tanto para a UPI Torres – pela Highline do Brasil II Infraestrutura de Telecomunicações S/A. (“Highline”) quanto para a UPI Ativos Móveis – novamente uma proposta conjunta pela Telefônica e TIM, e agora com a participação da Claro S/A. (“Grupo Interessado”), bem como uma proposta pela Highline também. No entanto, considerando que neste momento o Grupo OI não havia aceitado as BOs e que o preço ofertado pela Highline era superior àquele estabelecido como preço mínimo, celebrou por um mês um acordo de exclusividade com a Highline para negociar os documentos relativos à aquisição da UPI Ativos Móveis.

Este prazo de exclusividade encerrou em agosto de 2020, mesmo mês em que o Grupo OI apresentou nova versão do seu Aditivo ao Plano Original, desta vez já contemplando a Highline como Stalking Horse da UPI Torres e conferindo-lhe um right to match ao proponente âncora. Esta nova versão também previa a constituição de uma outra UPI para alienação do negócio de TV por assinatura (“UPI TvCo”). O Banco BTG Pactual (BTG) foi contratado para conduzir o processo de marker sounding referente à alienação da UPI TvCo.

As negociações para escolha de um Stalling Horse para a UPI Ativos Móveis continuaram até que, em setembro de 2020, o Grupo OI informou ao mercado que havia escolhido a BO do Grupo Interessado, ao qual foi conferido um right to top de 1% sobre o melhor preço ofertado.

Neste mesmo mês, foi realizada a Assembléia Geral de Credores, que aprovou a versão final do Aditivo (alterado na própria AGC), prevendo, além dos Stalking Horse da UPI Ativos Móveis (Grupo Interessado, com right to top de 1%) e da UPI Torres (Highline, com right to match), o Stalking Horse da UPI Data Center, a Titan Venture Capital e Investimentos Ltda. (“Titan”), com right to match também. Como estava em curso um processo de market sounding para a alienação da UPI IntraCo, o Aditivo já previa a possibilidade de um right to top de 1% sobre o melhor preço ofertado.

Quanto à UPI InfraCo, em janeiro de 2021, o Grupo OI informou que havia recebido propostas de terceiros interessados em sua aquisição, sendo que, em fevereiro de 2021, informou que havia assinado um acordo de exclusividade para negociação dos documentos de compra e venda da referida UPI com empresas vinculadas ao BTG (“Grupo BTG”). Este acordo de exclusividade foi prorrogado em abril de 2021, e em julho de 2021 o Grupo BTG consagrou-se vencedor do leilão, não tendo sido apresentadas outras propostas.

Acredita-se que esse será um tema que ainda abrangerá muitas discussões, tendo em vista que os Tribunais brasileiros ainda não tiveram a oportunidade de criar entendimento jurisprudencial que estabeleça e delimite os direitos outorgados ao Stalking Horse.

Luanna Danielle da Rocha Dionísio

 

Bibliografia:

www.emerj.tjrj.jus.br

www.migalhas.com.br

www.clubedecriacao.com.br

https://www.conjur.com.br/2022-jul-05/direito-insolvencia-validade-contrato-stalking-horse-direito-brasileiro

Processo 0203711-65.2016.8.19.0001

SCALZILLI. João Pedro. SPINELLI, Luis Felipe. TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falências. Teoria e prática na Lei 11.101/05. Almedina, 3º ed.

AMADO. Renata Martins. MASCARENHAS, Carolina. Recuperação empresarial e falência. Ed. Thoth.

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