STJ permite que novas decisões sejam proferidas em inventário ainda não concluído, desde que sirvam para ajuste de conflito sucessório
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no recente julgamento do REsp 2.017.064/SP [1], negou o direito à meação e à concorrência na sucessão para a ex-companheira de um homem falecido que iniciou a união estável após ter completado 70 anos de idade.
A decisão se baseou na tese vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) constante do Tema 809, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil e estabeleceu que as regras de sucessão aplicáveis ao casamento devem ser estendidas à união estável. Eis a redação da tese jurídica do Tema 809 do STF:
Tema 809/STF: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.
A ex-companheira alegava que o juiz teria reconhecido o seu direito à meação em decisão anterior no Inventário e que essa questão estaria preclusa. No entanto, após o julgamento do recurso extraordinário vinculado ao Tema 809 do STF, o juiz proferiu nova decisão para negar à ex-companheira o direito de meação dos bens adquiridos durante a união estável e de concorrer com as filhas do falecido na partilha dos bens particulares deixados por ele.
A relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, entendeu que não houve violação da preclusão, pois a decisão interlocutória anterior não era definitiva nem imutável, podendo ser revista pelo juiz em razão da alteração normativa decorrente da decisão vinculante do STF. Além disso, a eminente Ministra Relatora ressaltou que o Inventário ainda estava pendente de conclusão, não havendo trânsito em julgado da sentença de partilha.
A Ministra Relatora também rejeitou a alegação da ex-companheira de que o regime aplicável à união estável seria o da comunhão parcial de bens, pois não haveria contrato escrito entre os companheiros. A eminente Ministra Nancy Andrighi citou precedentes do STJ no sentido de estender à união estável as disposições do Código Civil previstas para o casamento, entre elas a imposição do regime da separação obrigatória para pessoas maiores de 70 anos. Esses precedentes, inclusive, originaram à Súmula 655 do STJ, que dispõe: “A pessoa maior de setenta anos pode livremente optar pelo regime de bens no casamento ou na união estável”.
Por fim, a Ministra Relatora concluiu que a ex-companheira não teria direito à meação dos bens adquiridos durante a união estável, pois o regime aplicável seria o da separação obrigatória. A eminente Ministra Nancy Andrighi também afirmou que a ex-companheira não teria direito à concorrência na sucessão dos bens particulares deixados pelo falecido, pois não houve demonstração de que ela tenha contribuído para a aquisição desses bens.
Dessa forma, no julgamento do REsp 2.017.064/SP, a Terceira Turma do STJ reafirmou que, em razão da decisão do STF no Tema 809, o juiz pode proferir nova decisão em Inventário não concluído para ajustar a questão sucessória, desde que respeitados os direitos adquiridos e o contraditório das partes. Além disso, a Turma Julgadora reiterou que a união estável iniciada após os 70 anos de idade implica o regime da separação obrigatória de bens e que a concorrência do companheiro na sucessão dos bens particulares do falecido depende da prova de sua contribuição para a formação do patrimônio.
Gustavo Franco de Azevedo
[1] CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO SOBRE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO SOBRE A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 377/STF. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO DECIDIDA DE FORMA EXPRESSA E CLARA. OMISSÃO SOBRE PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. NULIDADE DO JULGADO. DESNECESSIDADE. PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE CONTRÁRIO À TESE RECURSAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA COM BASE NO ART. 1.790 DO CC/2002. SUPERVENIÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADEQUAÇÃO À NOVA REALIDADE NORMATIVA. POSSIBILIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. APLICABILIDADE DA TESE ÀS AÇÕES DE INVENTÁRIO EM CURSO. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS ENTRE OS SEPTUAGENÁRIOS. APLICABILIDADE À UNIÃO ESTÁVEL. COMUNICAÇÃO DE BENS ADMITIDA, DESDE QUE COMPROVADO O ESFORÇO COMUM. INOCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. ACÓRDÃO RECORRIDO CONFORME JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. 1- Ação de inventário proposta em 12/09/2007. Recurso especial interposto em 08/09/2020 e atribuído à Relatora em 10/02/2022. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões e contradição relevantes no acórdão recorrido; (ii) se o direito de meação da recorrente teria sido objeto de decisão anterior acobertada pela preclusão; (iii) se o art. 1.641, II, do CC/2002, que impõe o regime da separação de bens ao casamento do septuagenário, aplica-se à união estável; (iv) se, na hipótese, incide a Súmula 377/STF, de modo a ser cabível a partilha dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável; (v) se o direito à meação seria fato incontroverso e dispensaria a produção de prova; e (vi) se houve dissídio jurisprudencial. 3- Cabe ao Supremo Tribunal Federal, e não ao Superior Tribunal de Justiça, examinar a suposta ocorrência de omissão sobre a alegada inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do CC/2002, uma vez que compete exclusivamente àquela Corte examinar a pertinência e a relevância da questão constitucional suscitada pela parte para o desfecho da controvérsia.4- Não há omissão e contradição no acórdão recorrido que examina, de forma expressa e clara, a matéria relativa à incidência da Súmula 377/STF suscitada pela parte. 5- Conquanto existente a omissão sobre a alegada ocorrência de preclusão, supostamente ocorrida em virtude de anterior decisão interlocutória, proferida antes do julgamento do tema 809/STF, em que teria sido reconhecido o direito à meação pleiteado pela parte, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que, em homenagem ao princípio da primazia da resolução de mérito, não se deve decretar a nulidade do julgado e determinar o retorno do processo à Corte estadual para que supra omissão sobre uma questão que já foi objeto de posicionamento desta Corte em oportunidade anterior. Precedente. 6- Em ação de inventário, o juiz que proferiu decisão interlocutória fundada no art. 1.790 do CC/2002 estará autorizado a proferir uma nova decisão a respeito da matéria anteriormente decidida, de modo a ajustar a questão sucessória ao superveniente julgamento da tese firmada no tema 809/STF e à disciplina do art. 1.829 do CC/2002, uma vez que o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese de modo a atingir os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha. Precedente. 7- A regra do art. 1.641, II, do CC/2002, que estabelece o regime da separação de bens para os septuagenários, embora expressamente prevista apenas para a hipótese de casamento, aplica-se também às uniões estáveis. Precedentes. 8- No regime da separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Precedentes. 9- Na hipótese, o acórdão recorrido, soberano no exame da matéria fático-probatória, concluiu que não houve prova, sequer indiciária, de que a recorrente tenha contribuído para a aquisição dos bens que pretende sejam partilhados e que pudesse revelar a existência de esforço comum, a despeito de à parte ter sido oportunizada a produção das referidas provas, ainda que em âmbito de cognição mais restritivo típico das ações de inventário. 10- Prejudicado o exame do alegado dissídio jurisprudencial, na medida em que a orientação do acórdão recorrido está em plena sintonia com a jurisprudência firmada nesta Corte. Aplicabilidade da Súmula 83/STJ. 11- Recurso especial conhecido e não-provido.
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