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Requisitos para a configuração de fraude à execução em caso de alienações sucessivas

Embora a questão relativa a fraude à execução não seja novidade nos tribunais pátrios, cumpre destacar que ao apreciar o REsp 1.863.999, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em voto da lavra da Ministra Nancy Andrighi firmou importante precedente em relação a sucessivas alienações de bens de propriedade do executado iniciada no curso da Execução.

Antes de se adentrar às conclusões alcançadas por aquela Egrégia Corte, é de se destacar que o reconhecimento de fraude à execução não implica em nulidade do negócio jurídico, mas, tão somente, na ineficácia deste em relação ao exequente. 

Ultrapassada a consideração inicial, torna-se impostergável rememorar que a fraude à execução está prevista no artigo 792 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos: “I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V – nos demais casos expressos em lei.” [1]

Da mesma forma, torna-se importante observar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento da fraude à execução demanda prévio registro da penhora ou prova da má-fé do terceiro adquirente, nos termos da Súmula 375 [2].

Assim, ao analisar o REsp 1.863.999 que versava sobre alegada fraude à execução em que houve sucessivas vendas do imóvel que anteriormente pertencia ao executado, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, acompanhada à unanimidade pela Turma Julgadora, entendeu que a ineficácia da primeira alienação não enseja a ineficácia das alienações posteriores. 

Por conseguinte, ao exequente compete comprovar a existência de inscrição da penhora no registro do bem ou a ciência da fraude à execução por aqueles que figuraram como adquirentes nos negócios jurídicos subsequentes, conforme se extraí da ementa do acórdão sob análise:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÕES SUCESSIVAS. EXTENSÃO AUTOMÁTICA DA INEFICÁCIA DA PRIMEIRA ALIENAÇÃO ÀS TRANSAÇÕES SUBSEQUENTES. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015.

  1. Embargos de terceiro opostos em 07/05/2018, dos quais foi extraído o presente recurso especial interposto em 19/08/2019 e concluso ao gabinete em 28/08/2020.
  2. O propósito recursal consiste em dizer sobre a configuração da fraude à execução em caso de alienações sucessivas.
  3. A fraude à execução atua no plano da eficácia, de modo que conduz à ineficácia da alienação ou oneração do bem em relação ao exequente (art. 592, V, do CPC/73; art. 792, § 2º, do CPC/2015). Em outros termos, é como se o ato fraudulento não tivesse existido para o credor.
  4. As hipóteses em que a alienação ou oneração do bem são consideradas fraude à execução podem ser assim sintetizadas: (i) quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória; (ii) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução; (iii) quando o bem tiver sido objeto de constrição judicial nos autos do processo no qual foi suscitada a fraude; (iv) quando, no momento da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 593 do CPC/73 e art. 792 do CPC/2015).
  5. Esta Corte tem entendimento sedimentado no sentido de que a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas sim requisito de eficácia perante terceiros.

Precedentes. Por essa razão, o prévio registro da penhora do bem constrito gera presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação (art. 659, § 4º, do CPC/73;

art. 844 do CPC/2015). Presunção essa que também é aplicável à hipótese na qual o credor providenciou a averbação, à margem do registro, da pendência de ação de execução (art. 615-A, § 3º, do CPC/73; art. 828, § 4º, do CPC/2015).

  1. Por outro lado, se o bem se sujeitar a registro e a penhora ou a ação de execução não tiver sido averbada no respectivo registro, tal circunstância não obsta, prima facie, o reconhecimento da fraude à execução. Nesse caso, entretanto, caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro; vale dizer, de que o adquirente tinha conhecimento acerca da pendência do processo. Essa orientação é consolidada na jurisprudência deste Tribunal Superior e está cristalizada na Súmula 375 do STJ e no julgamento do Tema 243.
  2. Desse modo, são pressupostos genéricos da fraude à execução: (i) processo judicial em curso em face do devedor/executado; (ii) registro, na matrícula do bem, da penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação premonitória ou, então, prova da má-fé do terceiro adquirente.
  3. Em caso de alienações sucessivas, inicialmente, é notório que não se exige a pendência de processo em face do alienante do qual o atual proprietário adquiriu o imóvel. Tal exigência, em atenção aos ditames legais (art. 593 do CPC/73 e art. 792 do CPC/2015), deve ser observada exclusivamente em relação ao devedor que figura no polo passivo da ação de conhecimento ou de execução. É dizer, a litispendência é pressuposto a ser analisado exclusivamente com relação àquele que tem relação jurídica com o credor.
  4. No que concerne ao requisito do registro da penhora ou da pendência de ação ou, então, da má-fé do adquirente, o reconhecimento da ineficácia da alienação originária, porque realizada em fraude à execução, não contamina, automaticamente, as alienações posteriores. Nessas situações, existindo registro da ação ou da penhora à margem da matrícula do bem imóvel alienado a terceiro, haverá presunção absoluta do conhecimento do adquirente sucessivo e, portanto, da ocorrência de fraude. Diversamente, se inexistente o registro do ato constritivo ou da ação, incumbe ao exequente/embargado a prova da má-fé do adquirente sucessivo.
  5. No particular, o imóvel não foi adquirido pelos recorridos (embargantes) diretamente dos executados, mas sim de terceiro que o comprou destes. Embora tenha sido reconhecida a fraude na primeira alienação, isto é, dos executados ao adquirente primitivo, o quadro fático delineado na origem revela que a credora não havia procedido à averbação, na matrícula do imóvel, da pendência de execução, tampouco se desincumbiu de comprovar a má-fé dos adquirentes posteriores; isto é, de que eles tinham conhecimento da existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência. Não há que se falar, assim, em ineficácia da alienação subsequente.
  6. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 1863999/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021)

Referido entendimento, coaduna-se com o princípio segundo o qual a boa-fé se presume e a má-fé deve ser comprovada, tornando as aquisições de bens mais seguras ante a impossibilidade de se comunicar a invalidade decorrente de negociações anteriores às subsequentes.

Eduardo Brandão

 

Referências: 

[1] – Brasil, Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil

[2] – Brasil – Superior Tribunal de Justiça 

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