A relevante técnica do distinguishing na prática da advocacia
A prática jurídica, especialmente no que tange a advocacia, enfrenta uma série de obstáculos. A Administração Judicial (AJ) de uma Massa Falida, por sua vez, tais percalços não deixam de existir. Isso pois, a AJ passa a representar a Sociedade Empresária Falida nas ações em que figurava como parte, conforme explanado em artigo anterior “Falida e Massa Falida: distinções fundamentais.” [1].
Por sua vez, um quesito, não muito comum, porém tortuoso aos procuradores se dá diante o enfrentamento a decisões judiciais que se limitam a retomar genericamente, como fundamentação do julgamento, jurisprudências que em pouco ou nada se assemelham material ou formalmente com o caso concreto. Nesta hipótese, comumente vem à mente do advogado a solução de apresentação de Embargos de Declaração, alegando omissão em função da violação do art. 489, §1º, V do CPC [2]. Todavia, existem técnicas processuais que muitas das vezes deixam de ser observadas, e que definitivamente cumprem o papel exemplar no aclaramento dos fundamentos da decisão: a do distinguishing e a do overruling. De forma a enriquecer a presente análise, sem torna-la excessivamente delongada, por sua vez, limitara-la à primeira.
No que se pese a diferenciação técnica entre precedentes e jurisprudência [3], que não pode ser ignorada, em regra os juízes utilizam-se da segunda fórmula para apresentar a justificação à conclusão adotada no decisum. Motivo pelo qual tomaremos vislumbre desta, sem excluir que o distinguishing pode ser utilizado no caso dos precedentes e súmulas. Fato é que, por mais que tenha se desenvolvido enquanto técnica jurisprudencial própria do sistema de common law [4], o distinguishing é aceito em nosso ordenamento jurídico, sendo recepcionado em diversos julgados das cortes superiores nacionais [5].
Isso pois, não obstante a origem anglo-saxônica da técnica, deve-se atentar que o Direito brasileiro se faz com base nos códigos e enunciados legais, próprios do sistema civil law. Sendo assim, a razão de decidir deve estar, inegavelmente fundamentada na norma, considerando sua aplicabilidade nas circunstâncias fáticas subjacentes que serviram de base para sua construção. Ou seja, a subsunção do fato à norma em uma jurisprudência e sua posterior interpretação generalizante não necessariamente incorrerá na solução da lide em julgamento. A descrição doutrinária sobre a jurisprudência a define como a “… atividade de interpretação da lei desempenhada pelas cortes para solução de casos, cuja múltipla reiteração gera a uniformidade capaz de servir de parâmetro de controle, não gozando de autoridade formalmente vinculante” (MARINONI, 2018), de forma que há de se atentar que, além de não terem caráter vinculante, salvo exceções, também deve estar de acordo com as peculiaridades do caso concreto, de forma que a mera semelhança entre os casos não basta enquanto alicerce decisório, mas sim meramente argumentativo.
O advogado deve estar atento, portanto, que diante das especificidades do caso concreto, a razão de decidir, fundada em norma, devem se amoldar com o precedente apresentado pelo juiz [6]. Tal como a estrutura normativa se divide em um antecedente que, em um juízo hipotético, faz uma descrição abstrata do fato jurígeno, ou seja, em que há um pressuposto fático e seu consequente, com seus os efeitos jurídicos imputáveis; de igual maneira deve proceder a análise, o juiz, ao interpretar o precedente para verificar a adequação da situação concreta à sua ratio decidendi. Portanto, a invocação de um precedente pressupõe que sejam consideradas as circunstâncias de fato em que foi construído, para que só se o aplique a causas em que a base fática seja similar.
Finalmente, assim, não só se incumbe à jurisdição a observância a tais critérios, como também ao jurisdicionado a fiscalização de tal atividade. Diante de qualquer decisão judicial que se utiliza de jurisprudências como única fundamentação, ou sem cotejar suas semelhanças, portanto, impõe ao advogado analisar os elementos objetivos da demanda, confrontando-os com os elementos caracterizadores de demandas anteriores. Havendo tal aproximação, somente então deve-se avançar, analisando a tese jurídica firmada nas decisões proferidas nessas demandas anteriores [7], indicando detalhadamente, em sede de recurso, os limites da fundamentação apresentada.
Rafael Fagundes
[2] Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (…) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
[3] Além de ressignificar a jurisprudência e as súmulas, o novo Código introduz o conceito de precedentes. Os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial. E porque tem como matéria-prima a decisão, o precedente trabalha essencialmente sobre fatos jurídicos relevantes que compõem o caso examinado pela jurisdição e que determinaram a prolação da decisão da maneira como foi prolatada. Os precedentes são razões generalizáveis que podem ser extraídas da justificação das decisões. Por essa razão, operam necessariamente dentro da moldura dos casos dos quais decorrem. Os precedentes emanam exclusivamente das Cortes Supremas e são sempre obrigatórios – isto é, vinculantes […] O novo Código imagina, porém, que os precedentes são oriundos apenas de súmulas (art. 927, II e IV, CPC), recursos repetitivos, assunção de competência (art. 927, III, CPC) e orientações de plenário ou órgão especial (art. 927, I e V) (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel Francisco. Novo Código de processo civil comentado. 4ª. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 1004 – 1005)
[4] O nosso sistema de Common Law consiste na aplicação, a novos episódios, de regras legais derivadas de princípios jurídicos e de precedentes judiciais; e, com o escopo de conservar uniformidade, consistência e certeza, devemos aplicar tais regras, desde que não se afigurem ilógicas e inconvenientes, a todos os casos que surgirem; e não dispomos da liberdade de rejeitá-las e de desprezar a analogia nos casos em que ainda não foram judicialmente aplicadas, ainda que entendamos que as referidas regras não sejam tão razoáveis e oportunas quanto desejaríamos que fossem. Parece-me de grande importância ter presente esse princípio de julgamento, não meramente para a solução de um caso particular, mas para o interesse do direito como ciência. (Mirehouse v. Rennel [1833]. V., a respeito, Jim Evans, Change in the Doctrine of Precedente during the Nineteenth Century, p. 64; Deflorian, Il Precedente Giudiziario come Fonte di Diritto: l’esperienza inglese, p. 155-156.)
[5] DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA DISTINÇÃO (DISTINGUISHING). DISTINÇÃO ENTRE A HIPÓTESE DOS AUTOS COM QUESTÃO DECIDIDA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO. SÚMULA 182 DO STJ. FALTA DE IMPUGNAÇÃO. INÉPCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADIMISSIBILIDADE. (…) Inicialmente, cabe frisar que a aplicação de um precedente judicial – na hipótese dos autos os recursos repetitivos REsp1.614.721/DF e 1.631.485/DF (Tema 971) – apenas pode ocorrer após a aplicação da técnica da distinção (distinguishing), a qual se refere a um método de comparação entre a hipótese em julgamento e o precedente que se deseja a ela aplicar. A aplicação de tese firmada em sede de recuso repetitivo a uma outra hipótese não é automática, devendo ser fruto de uma leitura dos contornos fáticos e jurídicos das situações em comparação pela qual se verifica se a hipótese em julgamento é análoga ou não ao paradigma. Dessa forma, para a aplicação de um precedente, é imperioso que exista similitude fática e jurídica entre a situação em análise com o precedente que visa aplicar. A jurisprudência deste STJ aplica a técnica da distinção (distinguishing), a fim de reputar se determinada situação é análoga ou não a determinado precedente. Nesse sentido: RE nos EDcl no REsp 1.504.753/AL, 3ª Turma, DJe 29/09/2017); REsp 1.414.391/DF, 3ª Turma, DJe 17/05/2016; e, AgInt no RE no AgRg nos EREsp 1.039.364/ES, Corte Especial, DJe 06/02/2018. (AgInt nos EDcl no AREsp 1254567/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 16/08/2018)
[6] Precedentes judiciais são, como enunciados legislativos, textos dotados de autoridade que carece de interpretação. É trabalho do aplicador extrair a ratio decidendi – o elemento vinculante – do caso a ser utilizado como paradigma. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente judicial. A justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais, cit., p. 259).
[7] Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed., Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p.489)
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