O retorno do dilema dos prazos nos processos de insolvência
A vigência da Lei 14.112/20, que incorporou várias modificações na Lei 11.101/05, a qual regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e sociedade empresária, não solucionou, a princípio, o dilema da contagem dos prazos nos procedimentos de insolvência, como gostariam todos os destinatários da norma. Ao contrário, a nova norma trouxe novas dúvidas quanto ao entendimento já sedimentado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
A redação original da Lei 11.101/05 não trazia regra específica sobre a forma de contagem de prazos, que eram contados em dias corridos.
Contudo, com a vigência do Código de Processo Civil de 2015 e a contagem dos prazos processuais em dias úteis, instaurou-se a divergência quanto aos prazos regulados pela Lei 11.101/05.
O Superior Tribunal de Justiça já havia firmado o entendimento no sentido de que a contagem dos prazos em dias úteis determinada pelo Código de Processo Civil de 2015, teria aplicação a determinado prazo da Lei 11.101/2005 quando sua natureza fosse processual, como nos prazos recursais, e desde que a norma fosse compatível com a lógica temporal adotada na Lei de Falência e Recuperação Judicial. Nesse sentido, foram os precedentes da Terceira e Quarta Turma do STJ, quando do julgamento do REsp 1.699.528 e do REsp 1698283:
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À FORMA DE CONTAGEM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005 (STAY PERIOD), SE CONTÍNUA OU SE EM DIAS ÚTEIS, EM RAZÃO DO ADVENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI ADJETIVA CIVIL À LRF APENAS NAQUILO QUE FOR COMPATÍVEL COM AS SUA PARTICULARIDADES, NO CASO, COM A SUA UNIDADE LÓGICO-TEMPORAL. PRAZO MATERIAL. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
[…] 2. Dos regramentos legais (arts. 219 CPC/2015, c.c 1.046, § 2º, e 189 da Lei n. 11.101/2005), ressai claro que o Código de Processo Civil, notadamente quanto à forma de contagem em dias úteis, somente se aplicará aos prazos previstos na Lei n. 11.101/2005 que se revistam da qualidade de processual. 2.1 Sem olvidar a dificuldade, de ordem prática, de se identificar a natureza de determinado prazo, se material ou processual, cuja determinação não se despoja, ao menos integralmente, de algum grau de subjetivismo, este é o critério legal imposto ao intérprete do qual ele não se pode apartar. 2.2 A aplicação do CPC/2015, no que se insere a forma de contagem em dias úteis dos prazos processuais previstos em leis especiais, somente se afigura possível “no que couber”; naquilo que não refugir de suas particularidades inerentes. Em outras palavras, a aplicação subsidiária do CPC/2015, quanto à forma de contagem em dias úteis do prazos processuais previstos na Lei n. 11.101/2005, apenas se mostra admissível se não contrariar a lógica temporal estabelecida na lei especial em comento. 2.3 Em resumo, constituem requisitos necessários à aplicação subsidiária do CPC/2015, no que tange à forma de contagem em dias úteis nos prazos estabelecidos na LRF, simultaneamente: primeiro, se tratar de prazo processual; e segundo, não contrariar a lógica temporal estabelecida na Lei n. 11.101/2005. […] 7. Recurso especial provido. (REsp 1698283/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 24/05/2019)
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ADVENTO DO CPC/2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS NO MICROSSISTEMA DA LEI DE 11.101/2005. CÔMPUTO EM DIAS CORRIDOS. SISTEMÁTICA E LOGICIDADE DO REGIME ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA.
[…] 3. A aplicação do CPC/2015, no âmbito do microssistema recuperacional e falimentar, deve ter cunho eminentemente excepcional, incidindo tão somente de forma subsidiária e supletiva, desde que se constate evidente compatibilidade com a natureza e o espírito do procedimento especial, dando-se sempre prevalência às regras e aos princípios específicos da Lei de Recuperação e Falência e com vistas a atender o desígnio da norma-princípio disposta no art. 47.
4. A forma de contagem do prazo – de 180 dias de suspensão das ações executivas e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial – em dias corridos é a que melhor preserva a unidade lógica da recuperação judicial: alcançar, de forma célere, econômica e efetiva, o regime de crise empresarial, seja pelo soerguimento econômico do devedor e alívio dos sacrifícios do credor, na recuperação, seja pela liquidação dos ativos e satisfação dos credores, na falência.
[…] 7. Na hipótese, diante do exame sistemático dos mecanismos engendrados pela Lei de Recuperação e Falência, os prazos de 180 dias de suspensão das ações executivas em face do devedor (art. 6, § 4°) e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial (art. 53, caput) deverão ser contados de forma contínua.
8. Recurso especial não provido. (REsp 1699528/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 13/06/2018)
Contudo, a nova norma trouxe a seguinte redação:
Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei.
§ 1º Para os fins do disposto nesta Lei:
I – todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos; e […]
Diante da redação da nova norma, que não foi precisa a ponto de identificar claramente o formato da contagem de prazos em cada situação, emergiram novos questionamentos da comunidade jurídica: i) teria o legislador regulado que todos os prazos, inclusive os processuais previstos na Lei 11.101/05, seriam em dias corridos?; ou ii) teria o legislador reafirmado o que já havia sido sedimentado pelo STJ, com a contagem dos prazos de direito material da Lei 11.101/05 contados em dias corridos e os prazos processuais contados em dias úteis tal como previsto no CPC?; e iii) seria possível outra interpretação com conjugação das normas processual e de falência e recuperação judicial?
Enquanto a questão não volta à discussão pelos Tribunais, diante da nova redação normativa, advogados cautelosos tem voltado a contar todos os prazos em dias corridos, evitando qualquer prejuízo.
Flávia Millard
Relacionadas
STJ determina que prêmios retidos por representantes de seguros não se submetem aos efeitos da recuperação judicial
Leia maisA Paoli Balbino & Barros Sociedade de Advogados foi nomeada como Administradora Judicial da Recuperação Judicial do Grupo 123 Milhas.
Leia maisContato
13º andar - Funcionários
Belo Horizonte/MG
CEP 30140-004 31 3656-1514 contato@pbbadvogados.com.br