Falida e Massa Falida: distinções fundamentais
O presente tema, apesar de se proceder por meios teóricos jurídicos, como se verá a seguir, é, na realidade, discussão que toma forma e urgência por meio da prática. Nas atividades diárias exercidas por uma Administração Judicial, recorrentemente enfrentam-se dificuldades e obstáculos que, por muitas vezes, passariam desapercebidos por olhares rápidos ou desatentos. Este artigo busca, não só esclarecer e orientar, como também chamar a atenção dos impactos da compreensão incorreta.
Pois bem. Primeiramente há de se destacar a que se preza o exercício da Administração Judicial perante a decretação da Falência de uma Sociedade Empresária – portanto, de antemão, por utilidade didática, é necessário deixar de lado as nuances referentes à Falência do empresário individual. Haverá destaque, portanto, dentre outras atividades, na representação da MASSA FALIDA subjetiva – ou seja, a comunhão de interesses dos credores sobre a administração dos bens do Falido – em diversos litígios em que figurava ou passaria a figurar a sociedade falida. De pronto já é possível perceber que a temática gera confusão. Afinal, para muitos, estabelece-se o questionamento: “Qual é a diferença entre MASSA FALIDA e Sociedade Falida?”. É exatamente sobre esta aparente confusão que será esclarecida.
Preliminarmente, para que seja desenvolvida a temática, é necessário passar de relance sobre o conceito de “Personalidade Jurídica” que está ligado ao de “Pessoa”. Em geral, pode-se dizer que é um atributo ou qualidade inerente a todo ser humano. Todavia, não é limitado somente às Pessoas Físicas, mas aplica-se também às Jurídicas – compostas de indivíduos que se agrupam para melhor atingir os seus objetivos econômicos ou sociais, como as associações e sociedades [1].
Assim, a Personalidade Jurídica é definida como “a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações” [2]. Estabelecem-se, assim, relações jurídicas entre sujeitos, sendo que estes têm aptidão para estar em juízo: “Art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.
Portanto, compreende-se que o conceito está atrelado à capacidade de ser parte em um processo. A partir daí os leitores, por raciocínio lógico, devem estar conjecturando as próximas indagações que serão guias de discussão: “Porque a MASSA FALIDA passa a figurar nos litígios em que as Sociedades Falidas poderiam se fazer representar?” e “Então, a MASSA FALIDA é dotada de personalidade jurídica?”.
Com a decretação da Falência de uma Sociedade Empresária, a prolação da sentença falimentar cria um novo estado jurídico para a devedora, ou seja, o estado de Falida [3]. Assim, a sentença produz uma série de efeitos perante terceiros, alterando relações jurídicas e originando novas, conforme os art. 77, 102, 108, 115-117, 121, 122, 125, 129 e 210 da lei 11.101/05 [4].
Dentre estes efeitos, a Falida, portanto, é afastada do controle de suas atividades, restando inabilitada para seu exercício e desapossada de seus bens, o que consequentemente, ocorre a perda da legitimação processual (estar em juízo) na defesa de seu patrimônio. Em razão disso, a MASSA FALIDA, representada pelo Administrador Judicial, sucede a Falida, referentes a relações de direitos patrimoniais relacionadas à falência:
Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
(…) III – na falência:
(…) c) relacionar os processos e assumir a representação judicial e extrajudicial, incluídos os processos arbitrais, da massa falida;
(…) n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.
À MASSA FALIDA, por sua vez, apesar do desapossamento decorrente da sentença falimentar, não se torna a proprietária dos bens da Falida, assumindo o papel de ente jurídico despersonificado, tendo natureza jurídica de administração, um órgão “a quem incumbe a gestação e a representação da sociedade com faculdades legais e estatutárias e com responsabilidade ante a sociedade e perante terceiros” [5]. Visa-se destacar, portanto, que da formação da MASSA FALIDA, há seu caráter subjetivo, já descrito, e o objetivo, qual seja, o próprio patrimônio arrecadado da Falida, submetido a outro regime legal. O que se tem a partir daí, é que a MASSA FALIDA não possui personalidade jurídica, mas sim personalidade judiciária, por ser ente jurídico despersonificado, podendo se fazer representar em juízo, como se pessoa fosse. Este ente, por sua vez, é previsto no ordenamento processual, tal como o espólio, o condomínio e outros:
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
(…) V – a massa falida, pelo administrador judicial;
Finalmente, o que se objetiva chamar a atenção, por meio deste texto, é a diferenciação entre “o caráter subjetivo da MASSA FALIDA” da “Falida”, perante o juízo. Enquanto aquela é a comunhão de interesses dos credores sobre a administração dos bens arrecadados, predominando o “princípio da par condicio creditorum, que proporciona tratamento igualitário a todos os credores da mesma categoria” [6]; esta, por sua vez, perde a legitimidade processual, para a prática de determinados atos, podendo figurar somente em processos que não sejam do interesse da MASSA, persistindo aqueles processos de caráter personalíssimo ou de caráter patrimonial não abarcadas pelo desapossamento.
Assim, novamente, destaca-se que no trabalho da Administração Judicial, diante das diversas lides, depara-se com falta da realização desta diferença pelos próprios magistrados, resultando na oneração teoricamente impossíveis da MASSA FALIDA. Os encargos, nestes termos, que deveriam, em realidade, recair sobre o Falido, não só prejudica a igualdade e coletividade de credores, como também resulta em transcendência de pena, em alguns casos. Nestes termos, assim, a Administração Judicial deve se manifestar, e sempre ter por objetivo, a garantia do devido processo e a correta condução dos procedimentos falimentares.
Rafael de Oliveira
[1] Aqui é essencial relembrar que se trata de Sociedades Empresárias. Não será abordado, portanto, possibilidade de formação de Pessoas Jurídicas por meio uma só Pessoa Natural, como também da existência das Pessoas Jurídicas de personalidade jurídica de direito público.
[2] BEVILÀQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, Rio de Janeiro: ed. Rio, 1975, p. 78-79.
[3] “… o estado de falido é uma nova situação jurídica que somente se constitui após a sentença de Falência. Ou seja, o empresário, até então posicionado em meio a um complexo de relação jurídicas próprias de sua qualificação, torna-se, pela sentença de falência, um empresário falido. Ser falido constitui uma nova situação jurídica, anterior à precedente. Daí ser correta falar-se em estado de falido. Estado, aí, no sentido de status, um complexo de relações jurídicas, de deveres, direitos, obrigações, sujeições, que se ajusta ao que, na moderna teoria do negócio jurídico, se chama justamente de situação jurídica” (FRONTINI, Paulo Salvador. Do estado de falido: sua configuração – inovações da lei de recuperações de falência. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro v. 44, n. 138, p. 7-24, abr./jun. 2005, p. 8)
[4] FANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 117-118
[5] CAÑIZARES E AZTIRIA, ob. cit., t. 2, p. 85 apud ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 132.
[6] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 137.
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