Dispositivos penais na falência
Embora não esteja arrolada no art. 75 da Lei 11.101/2005, que estabelece o objetivo primordial do processo de falência – celeridade e maximização de ativos – a punição por ter cometido crime falimentar [1] é também um objetivo desse processo. Afinal, trata-se de conduta contrária ao Direito, que lesa sujeitos de boa-fé em nome de obter vantagens, bens ou quantias ilícitas.
Para que haja a condenação, é preciso comprovar o dolo (específico), qual seja, a intenção de obter vantagem indevida, não se admitindo o dolo que não se pode provar (ou, para os entusiastas do latinório, dolus non praesumitur nisi probetur). Também é necessário que tenha sido prolatada sentença falimentar.
Crime falimentar é a atividade fraudulenta, qualquer que seja ela, que resulte ou possa resultar em prejuízo aos credores do empresário falido ou em recuperação. Atente-se para o fato que não apenas os devedores são sujeitos ativos do crime, mas também os terceiros envolvidos, haja vista o caso ocorrido em junho de 2020, quando o TJ-RS condenou três advogados e um empreendedor (sócio da sociedade empresária) por crime falimentar em razão de terem eles ajuizado ação de execução de honorários em processo que não o do juízo da recuperação judicial, claramente com vistas a burlar a concorrência dos demais credores da recuperanda [2]. Além dos advogados do devedor, consideram-se terceiros, por exemplo, os contadores, os técnicos, os auditores, o juiz, o representante do Ministério Público, o perito, avaliador, escrivão, oficial de justiça, leiloeiro e demais envolvidos no processo de insolvência.
Estes crimes estão dispostos na Seção I do Capítulo VII da Lei de Falências (art. 168 a 178). Por estarem fora do Código Penal, são chamados crimes especiais. São eles:
- Fraude contra credores (art. 168)
- Violação de sigilo empresarial (art. 169)
- Divulgação de informações falsas (art. 170)
- Indução a erro (art. 171)
- Favorecimento de credores (art. 172)
- Desvio, apropriação ou ocultação de bens (art. 173)
- Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174)
- Habilitação ilegal de crédito (art. 175)
- Exercício ilegal de atividade (art. 176)
- Violação de impedimento (art. 177)
- Omissão dos documentos contábeis obrigatórios (art. 178)
A conduta ilícita que configura o tipo penal falimentar pode ser cometida antes ou depois da sentença de insolvência lato sensu, porém a chamada “condição objetiva de punibilidade” só se verifica, reforça-se, quando esta é prolatada. Textualmente, conforme artigo 180 da Lei 11.101/05:
Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei.
Nesse contexto, esclarece Luiz Regis Prado:
“A definição do termo “condição objetiva de punibilidade” é questão controversa por serem alheias à noção de delito nem se encontram abarcadas pelo dolo ou pela culpa, sendo exteriores à ação ou à omissão. Delas depende a punibilidade do delito, sendo a política criminal o motivo para tal (por exemplo oportunidade ou conveniência) [3].
Quando essa sentença transita em julgado, o Registro Público de Empresas é notificado para tomar as medidas necessárias com vistas a impedir novo registro em nome dos inabilitados (art. 181, § 2º). Os outros efeitos da condenação por crime previsto na Lei de Falências são:
Art. 181 (…)
I – a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta Lei;
III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
Sobre a prescrição, rege-se pelas disposições do Código Penal, começando a correr no dia em que é proferida a decisão no processo de insolvência, seja a que decretada a falência, ou a que concede a recuperação judicial ou ainda quando é homologado o plano de recuperação extrajudicial. Além desta disposição da Lei de Falências, há a Súmula 592 do STF, cujo enunciado assim estatui: “Nos crimes falimentares, aplicam-se as causas interruptivas da prescrição, previstas no Código Penal”. Atente-se para o fato de que a decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha se iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial (art. 182, parágrafo único da Lei 11.101/2005).
Antes da entrada em vigor da Lei 14.112/2020, aquele que cometesse crime falimentar e fosse condenado pela conduta teria que esperar o decurso de dez anos (contado do encerramento da falência) para ter extintas as suas obrigações como falido, conforme disposto no inciso IV do art. 158 da Lei 11.101/2005. Este inciso foi revogado pela Lei 14.112/2020, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2021. Foi uma das boas modificações trazidas pela inovação legislativa, afinal uma década sem a possibilidade de um fresh start (novo começo) é algo que beira o draconiano, ou melhor, a Lei das XII Tábuas do Direito Romano, que continha, entre suas disposições, aquela que estatuía que o falido inadimplente poderia ser forçado a trabalhar como servo para o credor ou mesmo, em último caso, ser morto e ter o cadáver despedaçado e distribuído entre aqueles a quem devia. Essa sistemática punitiva só seria modificada um século depois, com a Lex Poetelia Papíria (326 a. C). Mas isso é outra história.
Laura Torres
Notas e referências:
[1] A lei 11.101/2005 não aplica o termo “crimes falimentares”, mas sim “disposições penais”. A expressão, porém, está sedimentada pelo uso, motivo pelo qual será empregada neste artigo.
[2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-05/tj-rs-condena-empresario-advogados-crime-falimentar#:~:text=Advogado%20que%20aju%C3%ADza%20a%C3%A7%C3%A3o%20de,Lei%20n%C2%BA%2011.101%2F05).. Acesso em 16/03/2021.
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